PRECE - microconto


                                                            
    Eu entro na Igreja. Quero falar com Deus. Mas não o sinto. Eu própria não me sinto. Há um padre no altar. Poucas pessoas nos oratórios. As imagens de anjos e santos me observam. Não. Demônios me observam. Eu só vejo demônios. Vejo também corpos mutilados e pessoas gritando. O padre reza. Ouço obscenidades. As pessoas à minha volta são caricaturas de seres humanos. Está tudo errado. Isso é uma igreja? Mas apesar de tudo, ela  continua reluzindo a ouro e prata. Eu não compreendo. Eu não me compreendo. Deus, faça-me compreender! Deus não me compreende. Me ajoelho para implorar por Seu perdão e sinto agulhadas. Ossos. Há ossos no chão. O chão é feito de ossos. Minha pele se rasga. O padre se foi. Mas a batina dele continua lá, rezando. Quero dizer, dizendo obscenidades. O padre, quero dizer, a batina, diz que quer sexo. O meu. Acho que não escutei bem. As caricaturas olham para mim. A batina flutua em minha direção. As imagens de demônios encaram meu corpo com luxúria. Grito para pararem. Eles param.

 
Maio, 1990


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